A Cabala, enraizada na mais profunda tradição mística judaica, apresenta-se não como mera disciplina intelectual, mas como uma tradição recebida (Kabbalah), um conhecimento interior transmitido de mestre a discípulo através dos séculos. Ela constitui, nas palavras do Rabi Yitschac Luria, a "alma da Torá", oferecendo uma estrutura cosmológica abrangente que desvela a essência divina, sua interação com o mundo e o propósito último da Criação. Como "Torá Interior" ou "Sabedoria da Verdade", ela fornece um mapa metafísico do universo e um guia para a retificação (Tikkun) pessoal e coletiva, convocando o estudante a um papel ativo neste processo cósmico. Este conhecimento esotérico, centrado na compreensão dos atributos divinos manifestos nas Dez Sefirot e nos caminhos interconectados da Árvore da Vida, transcende a razão discursiva, exigindo iniciação e prática contemplativa.
A tentativa de estabelecer correlações sistemáticas entre este sofisticado edifício cabalístico e o simbolismo do Tarô, contudo, emerge como um fenômeno predominantemente ocidental e tardio, datando essencialmente do século XIX com Eliphas Lévi. Este esforço hermenêutico concentrou-se quase exclusivamente na aplicação do esquema da Árvore da Vida – um diagrama composto por dez Sefirot (atributos divinos emanados) e vinte e dois caminhos (ligações entre as Sefirot, associadas às vinte e duas letras do alfabeto hebraico) – sobre a estrutura do baralho tarológico. Os paralelos propostos são, à primeira vista, sedutores: os vinte e dois Arcanos Maiores alinhariam às vinte e duas letras/caminhos; as dez cartas numeradas de cada naipe dos Arcanos Menores espelhariam as Dez Sefirot; e os quatro naipes corresponderiam aos Quatro Mundos cabalísticos (Azilut, Beriah, Yetzirah, Asiyah).
No entanto, uma análise crítica revela profundas dissonâncias e desafios epistemológicos nesta aproximação. Em primeiro lugar, a atribuição específica das letras hebraicas aos Arcanos Maiores carece de coerência interna e base tradicional sólida. A letra Guímel, por exemplo, associada tradicionalmente a Marte, riqueza/pobreza e a ligação entre Binah (Entendimento) e Gevurah (Rigor), contrasta radicalmente com interpretações tarológicas usuais para cartas como a Imperatriz (frequentemente ligada a Vênus e à fertilidade). Esta dissonância não é exceção, mas a regra, levando autores como G.O. Mebes a reinterpretar livremente os significados cabalísticos para forçar ajustes, criando assim um sistema híbrido distanciado das fontes judaicas. A própria estrutura interna do alfabeto hebraico no contexto da Árvore – organizada em três letras-mães (Alef, Mem, Shin), sete letras duplas e doze letras simples, com posições e funções específicas nos caminhos horizontais, verticais e diagonais – não encontra qualquer ressonância na sequência ou natureza dos Arcanos Maiores. Classificar o Mago, a Morte e o Louco como equivalentes às letras-mães, por exemplo, seria uma arbitrariedade sem fundamento na prática interpretativa do Tarô.
Em segundo lugar, o significado profundo das Sefirot é frequentemente esvaziado na transposição para o Tarô. As Sefirot não são meras categorias simbólicas ou arquétipos psicológicos; são atributos dinâmicos de Deus, cujos nomes e significados derivam diretamente de passagens bíblicas específicas (como a infusão de Espírito, Sabedoria e Inteligência em Betzalel para a construção do Tabernáculo, ou a oração de Davi nas Crônicas). Ler a carta 1 (O Mago) sem a perspectiva de Keter (Coroa) como Espírito e Vontade Divina transcendentes, ou a carta 2 (A Sacerdotisa) sem a dimensão de Hokhmah (Sabedoria) como Sabedoria Primordial do Pai Universal, significa perder a essência teológica e cosmogônica que as Sefirot carregam, reduzindo-as a alegorias decorativas. Os Quatro Mundos cabalísticos, representando níveis ontológicos distintos de emanação (do puramente divino ao material), possuem uma estrutura vertical e hierárquica que difere fundamentalmente da estrutura horizontal e funcional dos quatro naipes do Tarô (bastões, espadas, copas, ouros), originalmente ligados a estruturas sociais medievais e jogos de cartas orientais (naibs).
A origem histórica desta aproximação revela suas fragilidades. Ela surge no contexto do século XIX, impulsionada pelo romantismo, pelo orientalismo e pela busca de uma "Prisca Theologia" (teologia primordial) unificada, após descobertas linguísticas (como o parentesco indo-europeu) que inflamaram as especulações sincréticas. Eliphas Lévi, em "Dogma e Ritual da Alta Magia" (1856), foi o principal arquiteto desta correlação, partindo de uma mera analogia numérica (22 Arcanos, 22 letras; 40 cartas numeradas, 10 Sefirot x 4 mundos; 4 naipes, 4 mundos). Esta associação, no entanto, carecia de base histórica ou documental na tradição cabalística judaica. Os cabalistas judeus possuíam suas próprias e complexas tradições mânticas (astrologia, guematria, fisiomancia) e levavam a sério a proibição de imagens (segundo mandamento), tornando improvável qualquer ligação original com um sistema baseado em figuras como o Tarô, de origem europeia medieval e cristã, provavelmente vinculado à iconografia das catedrais, às cortes de amor provençais e à espiritualidade pré-peste negra.
A sequência dos Arcanos Maiores apresenta outro problema crucial para a integração cabalística. A numeração é uma adição tardia (século XVII), e sua interpretação como um caminho espiritual linear (seja maçônico, como em Mebes, ou cristão, como em Valentim Tomberg) é uma construção posterior, não intrínseca ao baralho original. Tentativas de enquadrá-la rigidamente na progressão dos caminhos da Árvore esbarram na ausência de uma estrutura correspondente e na natureza muitas vezes fragmentária e contextual da cartomancia prática, focada em demandas individuais concretas, em contraste com a abstração e universalidade do esquema cabalístico.
Conclui-se, portanto, que o diálogo entre Cabala e Tarô, tal como predominantemente estabelecido desde Lévi, constitui menos uma descoberta de raízes comuns e mais um constructo esotérico moderno. Ele reflete um desejo ocidental de legitimar o Tarô mediante sua vinculação a uma tradição antiga e prestigiada, mas frequentemente o faz à custa da distorção de ambos os sistemas. A força da Cabala reside em sua profundidade teológica, suas práticas meditativas complexas (como as permutações de letras de Abulafia) e seu enraizamento na história e textualidade judaica – dimensões frequentemente negligenciadas nas apropriações tarológicas. O Tarô, por sua vez, consolidou seu poder simbólico e mântico ao longo de séculos de uso independente, com um núcleo de significados emergente de sua própria iconografia e prática. Uma abordagem mais fértil e respeitosa exigiria, não a imposição forçada de correspondências, mas um estudo rigoroso e separado de cada tradição, reconhecendo suas origens distintas, seus contextos históricos específicos e suas linguagens simbólicas particulares. A verdadeira interconexão, se existir, residiria não em esquemas rígidos de equivalência, mas na percepção de padrões universais da experiência humana – como a luta entre luz e sombra, o processo de transformação e a busca de significado – que ambas as tradições, a seu modo único e autêntico, buscam iluminar. O valor da Árvore da Vida para o estudioso do Tarô talvez não esteja em um mapeamento literal, mas em sua potência como modelo de processos cósmicos e psíquicos, oferecendo uma linguagem para pensar a complexidade das relações e emanações, inspirando reflexões profundas sem exigir a fusão inconciliável de sistemas fundamentalmente diversos.
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