Muito se fala sobre o Oriente Médio. Discussões inflamadas ocupam debates acadêmicos, mesas de bares e corredores de mídia. Entretanto, em meio a tanta conversa, poucos realmente compreendem a riqueza e a complexidade das etnias e religiões que compõem esta região milenar. Confundir árabes com muçulmanos ou judeus com israelenses é um erro tão comum quanto superficial. É uma confusão que impede a compreensão mais profunda das raízes históricas dos conflitos e das singularidades culturais que moldam os povos do Oriente Médio.
A mídia tende a focalizar o drama — guerras, golpes e crises humanitárias — mas raramente se detém sobre a origem desses povos, seus costumes ou seus sistemas de crenças. Por isso, revisitar a história, mesmo que brevemente, é essencial para que se entenda que a região é, antes de tudo, um mosaico de histórias e narrativas.
Podemos começar pelo relato bíblico de Gênesis, que oferece uma das narrativas mais antigas de diferenciação entre povos. Abraão, figura central tanto para judeus quanto para árabes, casou-se com Sara, que era estéril. Impaciente com a demora de Deus em conceder-lhe um filho, Sara propôs que Abraão gerasse descendência com sua serva, Agar. Do encontro nasce Ismael, a quem Deus promete tornar pai de uma grande nação. Pouco tempo depois, Deus concede a Sara um filho legítimo, Isaac, e dele surgem os fundamentos do povo judeu. Assim, já nos primeiros capítulos da história bíblica, vemos a origem de dois grandes ramos de civilização: o árabe, descendente de Ismael, e o judeu, descendente de Isaac.
No entanto, não se deve confundir a etnia com a religião. O povo árabe tem raízes genealógicas que remontam à Península Arábica e se consolidam em sua história milenar. Sua identidade é moldada por fatores linguísticos, culturais e políticos. Como observa Habib Hassan Touma, “a essência da cultura árabe deve envolver a língua árabe, o islã, a tradição e os costumes” (1996, p.xviii). Em termos modernos, ser árabe significa, portanto, pertencer a um contexto cultural que compreende idioma, história e vivência social, independentemente da fé religiosa. O islamismo, surgido mais tarde com o profeta Mohammed, é apenas uma das religiões praticadas por árabes, ainda que seja a predominante.
Dentro do Islã, surgem duas grandes correntes: os sunitas e os xiitas. Os xiitas, aproximadamente 16% dos muçulmanos, veneram a linhagem do Profeta através de Ali, genro de Mohammed, e são conhecidos por sua ortodoxia religiosa e rigor ritualístico. Os sunitas, majoritários, representam cerca de 84% dos muçulmanos e se vinculam aos califas abássidas, tendo uma abordagem mais moderada da prática religiosa.
O judaísmo, por sua vez, emerge com Isaac, consolidando-se historicamente com Moisés, que codificou as leis e tradições que fundamentam a identidade do povo judeu. Mas, atenção: nem todo judeu é israelense, assim como nem todo israelense é judeu. O Estado de Israel, criado em 1948, engloba uma população diversa, formada por judeus, muçulmanos, cristãos e outros grupos religiosos. Assim, a nacionalidade e a religião nem sempre coincidem, e a simplificação leva a equívocos frequentes na análise da região.
Ainda assim, é impossível falar do Oriente Médio sem mencionar outras etnias e povos que compõem seu quadro humano: os persas, cuja maioria é muçulmana, mas que têm origem e cultura distintas dos árabes; os beduínos, nômades do deserto; os berberes do norte; os turcos, gregos e diversos outros grupos que carregam tradições únicas. Cada um destes povos contribui para o intrincado tecido social do Oriente Médio, marcado por contrastes, convergências e tensões históricas.
O equívoco mais comum — confundir religião, etnia e nacionalidade — explica muito do que vemos hoje nos jornais, onde cada conflito parece nascer de um desentendimento religioso, mas, na realidade, envolve disputas territoriais, memórias históricas e identidades culturais profundamente enraizadas. Compreender o povo árabe sem reduzi-lo ao Islã, reconhecer que israelense não é sinônimo de judeu, ou que o judaísmo é uma fé e não uma nacionalidade, é o primeiro passo para entender o Oriente Médio de maneira mais ampla e menos maniqueísta.
Ainda há muito a dizer sobre o mosaico de povos e culturas da região. Mas, para aqueles dispostos a ler além dos títulos sensacionalistas, há uma lição clara: o Oriente Médio não é apenas conflito. É história, tradição, diversidade e complexidade. E é somente ao respeitar essa riqueza que podemos começar a compreender, de fato, os desafios e impasses de hoje.
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