
Fecho os olhos e penso no coração. Não só no meu, mas no de todos. No que pulsa escondido, silencioso, nos lugares que nem sempre conhecemos. Há portas que rangem, portas que se fecham sozinhas, portas que jamais abrimos. Há quartos com memórias, quartos com paixões, quartos com segredos que nem sabemos que existem. Mas há uma fresta. Sempre há uma fresta. Um fio de luz que atravessa a escuridão. Pequeno, tímido, quase invisível, mas insiste.
O mal existe. Às vezes parece enorme. Imenso. Intransponível. Mas ele não é absoluto. Nem aquele que machuca, que corta, que corrói, consegue apagar tudo. Sempre há um fio de bondade, mesmo se ele treme. Mesmo se ele hesita. Mesmo se quase não se percebe. Ele existe, escondido entre as intenções, entre o medo, entre o silêncio. Mas existe.
Não quero dizer que o mal é desculpável. Não é. Machuca, destrói, consome. Mas quando pensamos que alguém é só mal, esquecemos o que ainda pode ser. Esquecemos que, mesmo no pior gesto, mesmo no impulso mais sombrio, há fragmentos de luz. Fragmentos de bem que não se entregam, que resistem, que esperam. Pequenos, tímidos, mas persistentes.
O coração é traiçoeiro. Ele é paixão, impulso, urgência. Ele quer agora. Ele não espera. Ele é imediato, visceral, às vezes cego. A paixão é um braço de ferro invisível que nos segura na ponta de uma torre e depois nos lança ao chão. Quem decide com o coração se lança. Quem decide com o coração se esquece do tempo, se esquece da prudência, se esquece de si mesmo.
E a paciência? Paciência é um intervalo. Um espaço silencioso entre o impulso e o ato. Entre o sentir e o pensar. Entre o que queremos e o que deveríamos. É ali, nesse silêncio, que o bem pode florescer. Mesmo nos corações mais densos, mesmo onde a sombra parece absoluta. Ali, se olharmos com cuidado, há sempre algo que espera. Algo que pode ser resgatado. Algo que pode nos salvar — ou salvar outros.
A vida ensina, sempre de formas sutis, que somos pequenos. Pequenos, frágeis, quase invisíveis. Mas capazes. Capazes de mudar, de reparar, de escolher novamente. Cada gesto, cada ato, cada suspiro carrega uma oportunidade. Uma fagulha de bem que pode surgir. Frágil, quase imperceptível, mas real. Sempre real.
As paixões complicam. Elas nos cegam. Elas nos empurram. Elas nos fazem ferir sem perceber. Mas também nos fazem sentir. Sem elas, talvez não houvesse vida. O coração é instinto, é impulso, é vida pulsando. Mas se não houver reflexão, se não houver cuidado, o caminho se perde. E a bondade que poderia surgir se esconde.
A memória é um livro antigo. Algumas páginas estão em branco, outras rabiscadas. Algumas esquecidas, outras quase queimadas pelo tempo. Podemos reler, apagar, escrever de novo. Talvez seja ilusão. Talvez seja real. Mas é sempre possível. Sempre. Uma pequena chance. Uma oportunidade que parece mínima, mas que basta.
O bem e o mal se confundem. Nunca são separados. Nunca. Estão entrelaçados como raízes, como sombras que dançam na luz. O que parece mal pode conter bem. O que parece bem pode carregar sombra. Cada escolha é fio, cada gesto é chance, cada pensamento é espaço para resgatar ou perder.
Observar é aprender. Observar a si mesmo, observar os outros, observar o silêncio, observar a sombra e a luz. Esperar que o bem escondido tenha espaço. Que possamos agir com consciência, não só com impulso. Que possamos lembrar que a vida nos dá chances. Pequenas, frágeis, mas reais.
Mesmo no coração mais torto, há algo que resiste. Algo pequeno, tímido, silencioso. Algo que insiste em existir, mesmo quando tudo parece perdido. E isso já basta. Basta para acreditar. Acreditar que, mesmo na sombra, há luz. Que, mesmo nos impulsos, há oportunidade. Que, mesmo nos erros, há espaço para reparar.
E se fecharmos os olhos, de novo, veremos que cada coração, mesmo o mais quebrado, guarda algo que não pode ser destruído. Um fio, uma fresta, uma luzinha. Pequena, quase invisível. Mas suficiente. Suficiente para continuar. Suficiente para tentar. Suficiente para existir.
Um comentário:
Fantastique.
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