Há coisas que não se explicam com palavras comuns. A alma gêmea é uma delas. A Cabala nos ensina que, antes de nos encarnar neste mundo, cada alma era uma centelha única, inteira e pura. Por um motivo que escapa à nossa compreensão, ela se fragmentou — dividida, mas nunca perdida. Cada pedaço carrega a lembrança daquilo que é completo, e a vida, com seus desvios e encontros, é o caminho de retorno.
Encontrar a alma gêmea não é acaso; é reconhecimento. Há pessoas que passam por nós sem deixar rastro. Outras chegam como quem atravessa a névoa do tempo e desperta algo que dormia há séculos. Não se trata apenas de afeição, nem de companhia. Trata-se de luz. Uma luz que nos mostra o que ainda não conhecíamos de nós mesmos. E, por isso, às vezes dói. Porque essa luz revela não só o que somos, mas o que deixamos de ser.
A alma gêmea é um espelho sem reflexo — não replica, não reproduz, não completa no sentido de preencher uma lacuna física ou emocional. Ela desafia, provoca, desperta. Ela nos lembra que a unidade nunca esteve fora, mas sempre dentro de nós, escondida atrás de máscaras, rotinas, distrações. E que reconhecer o outro é, antes de tudo, reconhecer a nós mesmos.
Há um tempo, em Safed, senti algo que não sei descrever sem usar as palavras da Cabala. Caminhando por aquelas ruas silenciosas, entre sinagogas e livros antigos, percebi a presença de uma energia que transcende o cotidiano. Era a consciência de que, na tapeçaria da existência, cada fio encontra seu outro fio, cada alma encontra sua centelha perdida. Pouco depois, a vida mostrou o sentido disso: um ano depois, em novembro, encontrei minha esposa. Não houve truques, coincidências ou atalhos. Houve reconhecimento, inevitável, silencioso, profundo.
O encontro da alma gêmea é, em essência, um tikun — não uma reparação de erros, mas a harmonia de algo que já existia antes do tempo. Cada gesto, cada palavra, cada silêncio compartilhado é a confirmação de que estávamos destinados a nos lembrar. E, no fundo, essa é a mais bela sabedoria da vida: a certeza de que, apesar da fragmentação, existe alguém que nos percebe na profundidade do que somos, que nos aceita sem que precisemos explicar, que nos vê sem tentar nos mudar.
E é nesse encontro que aprendemos a verdadeira essência do amor: não possessão, não dependência, mas contemplação, reverência e expansão da consciência. Porque a alma gêmea nos mostra que, ao encontrar o outro, também nos reencontramos. E, quando isso acontece, o mundo inteiro parece mais leve, mais iluminado, mais próximo do que poderia ser quando olhamos para ele com os olhos de quem sabe que, em algum lugar, a centelha perdida nos esperava.
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