domingo, 29 de agosto de 2010
Viva, Eterna Etta James
sábado, 28 de agosto de 2010
O Amor, a Compreensão e a Tolerância como atributos espirituais
O Som do Aplauso
O aplauso nasce silencioso, como uma brisa que percorre a pele antes da tempestade. Não se anuncia, não pede licença. Surge no coração antes de chegar às mãos, uma pulsação que cresce, uma música sem notas, uma promessa de celebração. Às vezes é tímido, hesitante, quase secreto; outras, explode como relâmpago, arrebatando tudo à sua volta. É a voz do mundo sem precisar de palavras, a língua universal que todos entendem, do palácio à rua, do teatro à praça.
Bater palmas é tocar o invisível. É tocar a alma de quem cria e a nossa própria, reconhecendo que, por um instante, algo maior nos conecta. Um discurso que nos emociona, uma canção que nos atravessa, um gesto simples de coragem: o aplauso chega, e com ele, a vida se alonga, se expande, se revela. Cada palma é um fio de luz que se entrelaça a outros, formando teias de reconhecimento, redes de afeto que nos lembram que pertencemos a algo que nos transcende.
E quando nos aplaudem, sentimos o mundo inclinar-se gentilmente sobre nós. É um instante em que o tempo se dobra, e o espaço se torna estreito o suficiente para que a emoção transborde. Ser aplaudido é sentir que nossos passos, nossas escolhas, nossas palavras, nossos gestos, não passam despercebidos. É como se cada palma fosse uma centelha, cada estalo de mão uma declaração silenciosa: “Você importa. O que você fez, mesmo que pequeno, é eterno no coração de quem percebeu.”
O aplauso não é apenas reconhecimento. É memória que se forma no ar, é energia que atravessa gerações. Um ato simples, que, no fundo, guarda a grandeza de todos os tempos: os poetas que nos ensinaram a sonhar, os músicos que nos fizeram dançar, os heróis anônimos que mudaram o mundo sem esperar nada em troca. Cada palma ecoa no vazio, mas também nos corações, deixando rastros que não se apagam.
E há o aplauso coletivo, poderoso, que se multiplica e ressoa como ondas que se chocam na praia: ele transforma multidões em uma só voz, mãos em sinfonia, um instante fugaz em eternidade. Mas mesmo o aplauso solitário, discreto, não perde sua força. Ele é semente, promessa, lembrança. Ele diz que alguém viu, alguém sentiu, alguém se importa. E isso é suficiente para mudar tudo, para aquecer a alma mais fria, para acender coragem onde antes havia dúvida.
Devemos aplaudir sempre. Aplaudir o pequeno e o grande, o banal e o extraordinário, o gesto secreto e a conquista visível. Cada palma é uma mensagem: continue, não desista, você existe e importa. Cada som, mesmo breve, é um sopro de eternidade que nos conecta uns aos outros, que nos lembra da beleza da vida em sua fragilidade e intensidade.
O aplauso é dança, é música, é silêncio e rugido ao mesmo tempo. É memória, é calor, é abraço que atravessa paredes, continentes, séculos. Ele nos ensina que reconhecer é viver, que celebrar é existir. E assim, deixo o aplauso correr pelo mundo: que ele toque todos que precisam ouvir, que inspire aqueles que precisam caminhar, que transforme cada instante em eternidade.
Bata palmas. Aplauda o que merece e o que parece não merecer. Aplauda a si mesmo, a quem você ama, ao desconhecido que fez diferença, ao tempo que passou e ao que virá. Pois no final, cada palma, cada gesto, cada som é uma pequena eternidade que ecoa na vastidão do universo — e, por um instante, faz tudo ser perfeito.
A Loucura da Diferença
A palavra “louco” ou “loucura” sempre chega como uma sombra mal interpretada. Sempre que nos deparamos com algo diferente — seja vendo, sentindo ou participando — há olhos prontos a nos rotular: “isso é loucura”. Mas loucura não é diferença. Loucura não é singularidade. Loucura, muitas vezes, é apenas o medo do outro, do que foge do padrão, do que escapa ao roteiro que a sociedade insiste em escrever.
As pessoas têm mania de rotular o diferente. Acham estranho, brega, cafona, anormal. São palavras frias, julgamentos que se travestem de senso comum. Alguns dizem não ser conservadores, mas suas reações mostram que não estão aptos a aceitar costumes, modas ou tradições do passado. Um neo-conservadorismo disfarçado, que subjuga o conservadorismo antigo e sufoca a diferença.
Digo isso porque nem sempre me sinto igual aos outros. Quero vestir algo diferente, falar algo diferente, e isso não deveria ser chamado de loucura. Uma camisa sem gola, uma gravata borboleta — são pequenos gestos de ousadia, cores em um mundo de tons neutros. E, ainda assim, há olhares que nos transformam em E.T.s, em seres de outro planeta, seres que caminham fora do tempo.
Imagine a cena: eu, em uma repartição pública, usando uma gravata borboleta azul como céu de verão, e todos me olhando como se fosse um erro da natureza. Ou pior, um terno rosa choque sob o sol ardente do Centro-Oeste brasileiro — seria uma tempestade de olhares, cochichos e dedos apontando. E tudo por um pedaço de tecido. A gravata borboleta, no entanto, é apenas poesia, um fio de diferença que não fere ninguém.
Na Europa e na África, vejo outro filme: cores, tradições, singularidades dançam juntas sem medo. No Brasil, ainda nos prendemos a paletós em dias escaldantes, esquecendo que o corpo transpira, que a alma pede liberdade. Deveríamos vestir vestidos africanos, cores que contam histórias, que atravessam gerações e respeitam o calor do nosso chão. Não é loucura, é vida.
Não estou revoltado; apenas penso. Loucura verdadeira é doença, patologia que precisa de cuidado. Diferença é vento, é chuva, é sol que colore a existência. Mas estamos cercados de preconceitos. A não aceitação do outro gera guerras silenciosas, pequenas e grandes, nas ruas, nas escolas, nas famílias. A diferença é nossa riqueza; a desigualdade, sim, é o inimigo.
Imagine ir à Ilha de Páscoa e ver tudo igual a Brasília, ou viajar ao Butão e encontrar uma lanchonete da Asa Sul. Que tédio, que vazio! Precisamos de reflexão, de diferença, de aceitação. Se cultivássemos isso, metade dos problemas — bullying, discussões, vergonha — se dissiparia como fumaça ao vento. Já estaríamos em metade do caminho da mudança que Platão imaginou.
Dentro de mim, ideias e pensamentos surgem como ondas em um oceano tempestuoso. Tentam escapar, se perder, desaparecer. Tento capturá-los, mas alguns se vão, como estrelas que se apagam antes do amanhecer. Talvez, em outra vida, poderei agarrá-los por completo. Assim como Ludwig Wittgenstein, busco o isolamento não para me calar, mas para permitir que minhas ondas internas cheguem à luz.
“Tenho a impressão de ter conseguido trazer à luz as ondas de pensamento que estavam confinadas dentro de mim.”
Se algum dia eu conseguir, se essas ondas, esses pensamentos, forem finalmente visíveis, compreendidos, então estarei metade realizado. Metade de um sonho que é, na verdade, a busca eterna pela diferença, pela liberdade e pela beleza da loucura que todos nós carregamos.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
"Sou para meu amado e meu amado é para mim"
Há frases que nos atravessam o peito como uma melodia que insiste em tocar, mesmo quando o mundo ao redor se cala. Esta, do Cântico dos Cânticos, 6:3, é uma delas. Muitos homens evitam revelar suas paixões, escondem seus sentimentos atrás de um muro de pragmatismo ou vergonha. Mas para mim, a vida perde sentido quando não se pode falar do que pulsa dentro do coração, especialmente se são sentimentos puros, feitos de amor e entrega.
Dizer essas palavras em voz alta é como abrir uma janela para o céu: alguns amigos, ao me ouvir, talvez digam, rindo: “Putz, esse Rui é muito pêra!” Mas não posso fingir que não sinto; este é meu jeito, e aqui deixo um pedaço dele, como quem deixa uma pétala cair em um rio, esperando que flutue.
A frase, em hebraico, soa assim: “Ani ledodi veDodi li”. É a inscrição da minha aliança de casamento, caso um dia eu encontre minha alma gêmea perdida. Na sociedade israelense e na moderna tradição judaica, é comum gravar essas palavras em alianças. Algumas pessoas colocam por dentro, outras por fora, mas todas reconhecem: é bonito, é significativo, é um toque de eternidade no efêmero. Garotas costumam dizer: “Rui, é muito fofo”. Eu concordo, mas vejo algo além da fofura: vejo diferença, vejo romantismo, vejo a coragem de tornar o amor visível, concreto, gravado em metal.
Mas esta frase vai além do simples amor humano. Ela é o casamento do céu com a terra, do divino com seu povo, do homem com a mulher. Cada sílaba carrega significados que se desdobram como labirintos de luz e sombra, com camadas filosóficas e numéricas que a tradição cabalística reconheceria. Não ouso afirmar seu segredo total, mas sei que há um mundo inteiro escondido em sua aparente simplicidade.
E ainda há a tarefa delicada: encontrar a alma gêmea e convencê-la a escrever essas palavras em nossas alianças. Não é apenas romantismo; é um pacto, um pequeno universo selado em ouro ou prata, um desafio de amor que se renova a cada olhar e a cada toque.
Ani ledodi veDodi li.
Eu sou de meu amado, e meu amado é meu.
E talvez, em cada batida do coração, o mundo se lembre de que o amor, quando verdadeiro, não se esconde.
sábado, 14 de agosto de 2010
Chakana ou Cruz Andina
Em minhas viagens ao Peru, sempre fui atraído pelo invisível que se torna visível nos símbolos e artefatos das civilizações pré-colombianas. Desde a majestade dos Incas até as culturas que os precederam, como as que habitaram Tiwanaku – um lugar que, confesso, merece ser visitado muitas vezes –, sinto-me transportado para outro tempo, outro espaço, quase outra vida. O deus Tumi, a Pachamama que abraça a terra, a chica sagrada que parece engarrafar a própria essência dos Andes… cada elemento é um portal que me arrasta para um mundo que se recusa a ser apenas passado.
Entre todos os símbolos que encontrei, nenhum me captura tanto quanto a Chakana, a famosa cruz andina. Ela está por toda parte: esculpida em madeira, bordada em tecidos, pintada em portas de casas e igrejas, insistindo em nos lembrar que há uma ordem mais profunda, invisível, por trás do que os olhos podem ver. Para a mitologia incaica, a Chakana é a árvore da vida – uma árvore que, como tantas outras em culturas ao redor do mundo, conecta céus, terra e submundo em um único gesto simbólico. Seus degraus e polos, maiores e menores, parecem apontar para os quatro cantos do mundo, uma geometria sagrada que organiza o cosmos em níveis e dimensões.
O quadrado central da cruz representa os mundos: Hana Pacha, o mundo superior dos deuses; Kay Pacha, nosso mundo, terreno e efêmero; e Ucu ou Urin Pacha, o mundo inferior, habitado por espíritos e ancestrais, em contato direto com a terra. O círculo no centro – o Axis – é mais do que um vazio: é passagem, eixo cósmico pelo qual o xamã transita, viajando entre dimensões, conectando o visível ao invisível. Ele também remete a Cusco, o coração pulsante do Império Inca, e à constelação do Cruzeiro do Sul, lembrando que o microcosmo e o macrocosmo são apenas faces da mesma verdade.
Mas se a Chakana tem um significado técnico profundo, ela carrega para mim uma dimensão ainda mais pessoal. Sempre que a vejo, penso nas viagens, nos amigos que caminharam comigo por estas montanhas – Silvana, Humberto –, e nas histórias que vivemos entrelaçados com aquela terra antiga. A cruz tornou-se um símbolo de amizade, de conexão mística entre o mundo presente e aqueles tempos remotos que, talvez, já tenha visitado em outras vidas ou realidades paralelas. Ela traz boas lembranças, uma sensação de continuidade, de pertencimento a algo maior e silenciosamente eterno.
O xamã, figura que transcende sacerdotes, feiticeiros e curandeiros, era capaz de alterar seu estado de consciência à vontade, mergulhando no submundo para descobrir as causas de doenças ou desgraças humanas – quase sempre atribuídas a violação de tabus. Esses trances, induzidos pelo consumo de substâncias alucinógenas, como a ayahuasca, eram a ponte entre o humano e o divino, entre o visível e o invisível. Ao contemplar a Chakana, sinto que cada viagem minha, cada amizade, cada memória, é uma pequena travessia xamânica: um mergulho no cosmos em busca de sentido e beleza.
O 15 de agosto
15 de agosto. Um dia que, à primeira vista, parece igual a qualquer outro, mas que guarda dentro de si séculos, mundos e pequenos milagres. Em Constantinopla, Miguel VIII Paleólogo subiu ao trono, e o Império Bizantino respirou mais uma vez, cheio de cerimônia e silêncio, como se o tempo pudesse se dobrar sobre si mesmo. Lucca se rendeu a Francesco Sforza, e uma cidade mudou de mãos sem que ninguém pudesse medir o impacto nos olhares das pessoas comuns.
Mais tarde, na América, fundava-se a Cidade do Panamá, e Juan de Salazar y Espinoza plantava a semente de Assunção, onde homens e mulheres iriam construir uma vida que nem podiam imaginar. Libertos da escravidão nos Estados Unidos erguiam a Libéria, como quem cria uma esperança com as próprias mãos marcadas pelo sofrimento. E no Brasil, bispos, dioceses e catedrais eram traçados em papel e pedra, como se o espírito também precisasse de mapas.
O cinema estreava “O Mágico de Oz” e, ao mesmo tempo, uma nação inteira celebrava sua independência na Índia. A Coreia se dividia em dois mundos, e no Morumbi se lançava a pedra fundamental de um estádio que guardaria multidões e histórias futuras. Congos e Beatles, Woodstock e festivais, cada evento se entrelaçando num fio invisível que atravessa décadas e continentes.
E, nesse mesmo dia, nasceram pessoas que o tempo escolheria para marcar a história: Napoleão, com sua ambição desmedida; Walter Scott, que sonhava mundos com palavras; Bernardo Guimarães, que já pressentia a alma do Brasil; Oscar Peterson, que tocaria notas que se infiltrariam nos ossos do mundo. E, curiosamente, no mesmo 15 de agosto de 1983, eu nasci, talvez sem entender, talvez com a mesma urgência de todos os que vieram antes, para ocupar este espaço efêmero e cheio de histórias.
15 de agosto: um dia que não termina. Ele se desdobra em outros dias, em outros olhares, em pequenos gestos que ninguém percebe. E ainda assim, continua lá, pulsando silencioso, guardando a memória do que foi e do que talvez nem tenha acontecido.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Diferenças étnicas no Oriente Médio
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
O Tratado de Roma (1957): o início da UE

Terceira Revolução Industrial, ufa!!!
Tropicasher?
Era uma manhã qualquer, e o sol brincava de atravessar as cortinas, espalhando um mosaico de luz sobre a mesa de café. Entre goles de chá e pensamentos soltos, a vida parecia sussurrar suas pequenas grandes verdades: que o mundo é vasto, que cada cultura é um universo, que o conhecimento é uma aventura sem fim.
E foi nesse espírito de descoberta que surgiu o Tropicasher, uma ponte que conecta a tradição milenar do Judaísmo ao ritmo e à alegria do Brasil. Não é apenas um site, não é apenas um projeto: é um convite. Um convite para mergulhar no conhecimento, para rir, aprender, se emocionar e perceber que fé e brasilidade podem dançar juntas, harmoniosamente, como um samba que encontra a melodia do Shofar.
Para mim, Tropicasher sempre foi mais do que uma experiência educacional. Era uma resposta gentil, mas firme, àqueles que duvidam que seja possível viver uma vida religiosa genuína no Brasil. Era a prova viva de que tradição e inovação podem caminhar de mãos dadas, mostrando que a cultura não limita a espiritualidade; ao contrário, a enriquece.
E por trás de tudo isso, havia Paulinho Rosenbaum. Um homem que percorreu caminhos incríveis: do Kibutz à Universidade em Israel, do serviço em Tzahal aos estudos profundos nas Ieshivás de Jerusalém e Toronto. Um brasileiro que fez do Judaísmo uma casa aberta, que ensinou com inteligência, curiosidade e um sorriso largo. Paulinho já brilhou na televisão, já foi destaque em jornais, e agora brilha em nossos corações.
Infelizmente, em 2025, Paulinho nos deixou. Mas deixamos de vê-lo apenas fisicamente; sua luz, seus ensinamentos e seu legado permanecem mais vivos do que nunca. Voltar ao post, refazer as palavras, é mais do que homenagem: é um ato de amor, de gratidão e de celebração da vida que ele nos inspirou a viver.
É isso mesmo, meus amigos: Tropicasher! Um mundo maravilhoso do conhecimento judaico, feito com a alma brasileira, guiado pelo coração de Paulinho. E a todos que têm a sorte de conhecer este projeto, saibam que estão tocando algo eterno, que transcende o tempo e o espaço.
Cordial Shalom, sempre em memória e em honra de Paulinho.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
O reflexo do neocolonialismo no hemisfério sul: a II Revolução Industrial
O Fordismo surge com suas linhas de produção em montagem em série (sistema de administração). O ponto negativo deste sistema é que o trabalhador, mais do que na I Revolução, ficava mais alienado, pois somente se inteirava de sua parte do sistema produtivo, não conhecendo os outros segmentos. Assim seguiu o mesmo exemplo no Taylorismo, que dividiu entre funções intelectuais e funções laborais. A nova Revolução buscava um aumento na produtividade e também demonstrava a necessidade por novos mercados consumidores, assim como novos fornecedores de matéria-prima.

Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda...volver!!!
Há algo estranho na forma como dividimos o mundo. Esquerda. Direita. Palavras que flutuam no ar, que tentamos segurar como se fossem pedras, mas se desfazem entre os dedos. Tento olhar, tento entender, e tudo parece escapar, como se a realidade fosse maior do que nossas pequenas classificações. Será que alguém realmente acredita que estas linhas que traçamos dizem algo sobre a vida?
Lembro-me da Revolução Industrial, séculos atrás, como se fosse uma lembrança emprestada. O carvão, as máquinas, as cidades crescendo em pressa e fumaça, a terra sendo esquecida, desfeita sob o peso da engrenagem. Surgiram nomes e conceitos, surgiram classes. O operário. O burguês. Marx. Smith. Palavras grandes que deveriam explicar o mundo, mas que, na verdade, só criaram mais separações, mais compartimentos para nos perdermos.
E me pergunto: será que a vida cabe em compartimentos? Será que se pode reduzir tudo a luta de classes, a leis de mercado, a bandeiras políticas? Não. A vida escapa. A vida se esconde entre os intervalos, nos silêncios, nos gestos que ninguém percebe. E talvez o que chamamos de desigualdade não seja uma linha entre opostos, mas um espaço profundo que nos atravessa e nos torna frágeis, invisíveis, humanos.
Hoje o mundo mudou novamente. O proletário se diluiu, o burguês se metamorfoseou, e aquelas separações que pareciam sólidas se tornaram sombra. O que existe agora é uma confusão silenciosa, feita de corrupção, de distâncias, de vidas fragmentadas. E ainda assim, tentamos encaixar tudo em palavras: esquerda, direita, progresso, atraso. Mas as palavras não seguram o mundo. Elas só indicam o vazio que deixamos entre nós e ele.
Não se trata de escolher um lado. Trata-se de perceber que o mundo não cabe em caixas. Que a vida é contínua, apesar de nossas tentativas desesperadas de separá-la. E nesse contínuo, há um lugar para olhar, para sentir, para compreender que estamos todos conectados, mesmo quando nos dizem que estamos divididos.
Talvez seja isso. Talvez, se soltarmos as palavras, se deixarmos de nomear, possamos finalmente ver. Ver que a vida acontece além das linhas que desenhamos, que o tempo flui sem se importar com nossos mapas. E que, no fundo, toda divisão é apenas uma ilusão, uma necessidade que inventamos para nos orientar, enquanto caminhamos pelo impossível.